quinta-feira

ABAIXO O JURIDIQUÊS!




           Temos lido ultimamente em vários jornais da grande imprensa e em algumas publicações destinadas aos operadores do direito que não é aceitável manter-se o linguajar pomposo e rebuscado, posto que vetusto, dessas pessoas quando formulam seus pedidos, fazem suas acusações e julgam seus processos.

        Há que se ter, dizem os defensores do novo estilo, um canal de comunicação mais direto com a população que permita o entendimento desse linguajar por parte da cidadania a quem ele é dirigido.

       Reconheça-se que aqui e ali há algum exagero. Certo também é que há palavras, embora vernaculares que extrapolam o limite do conhecimento do homem médio. Ainda recentemente após um trabalho feito perante uma corte de julgadores tivemos que explicar a um companheiro mais novo o significado da palavra “algibeira” que nos fora assacada como acusação, por termos argüido vigoroso problema de ordem jurídica preliminar. Como explicar o significado dessa palavra para quem nunca conheceu um colete, aquela peça da indumentária colocada por baixo do paletó?

        Mas, resolvemos aderir. Recebemos, em nosso escritório a visita de uma dupla de cultores do funk que nos apresentavam um problema de ordem familiar. O casal havia rompido de fato seus laços conjugais a partir do instante em que o varão descobrira estar sendo traído pela virago. Ela havia rompido a affectio maritalis. Não havia prole a ser protegida quer com o estabelecimento, ainda que comum, do poder familiar, quer pela fixação dos alimentos indispensáveis à sobrevivência desses filhos inexistentes.

       A varoa dispensava a proteção do marido para seu sustento. Dizia-se independente. E como tal, retirou-se do colóquio amigável que vinha sendo mantido instando seu companheiro a tomar as providências pertinentes. Contratados, solicitamos ao marido que retornasse quarenta e oito horas depois para assinar conosco a peça vestibular que iríamos destinar ao magistrado.

        Passados os dois dias, retornou o varão a quem foi dado o exame da inicial e solicitado apusesse sua firma na folha derradeira do pedido endereçado ao juiz.

       Furioso o ilustre cliente repreendeu-nos pelo linguajar gongórico e instou-nos a fazer um trabalho mais acessível ao seu nível de compreensão.

      Já para tal trabalho dobramos o preço avençado anteriormente que foi aceito sem rebuços e pedimos uma semana para fazermos a adaptação do mesmo ao estilo de vida do cliente.

      Após o decurso dessa semana, em que nos fizemos assessorar por diferentes ramos da juventude hodierna, recebemos o cliente e a ele submetemos o novo trabalho, que foi aceito sem qualquer questiúncula. Eis como ficou a inicial:


Ô da toga

Mano 13, fanqueiro, tô pedindo um barato louco porque tô separando da distinta.

Sô sangue bom.

Sô sinistro, mas a chapa tá quente.

A traíra se meteu com uns talarico. Tô na fita, num dá mais.

A coisa tá irada, tá bombando e eu quero que teja tudo dominado.

E aí lixo? Se tocou?

Fecha cum nóis.

São Paulo, oje.

Assinado:

Adevogados.
       Ainda não tivemos coragem de submeter essa petição ao Poder Jurisdicional. Ficamos na torcida pela reconciliação. Estamos em dúvida sobre qual será a reação do ínclito magistrado . Quem sabe tenha ele se adaptado aos novos tempos... Mas, pode ser que ele se limite a despachar: Com tal petição vê-se que a parte está indefesa no processo. Remeta-se à Comissão de Ética da OAB para que tome as providências que o caso requer.

        É como daquele ditado: Cada terra com seu uso e cada roca com seu fuso.

Revista Jus Vigilantibus, Quarta-feira, 4 de maio de 2005 (por Alberto Rollo; Janine Rollo)